
Em português, por favor!
Publicitários questionam projeto de lei que proíbe palavras estrangeiras na propaganda e temem que o estado perca anunciantes
Cinthia Scheffer
A discussão sobre o uso de termos em outras línguas na publicidade voltou à tona nesta semana no Paraná. No apagar das luzes para o recesso da Assembleia Legislativa, os deputados aprovaram um projeto de lei apresentado pelo Executivo que obriga a tradução de palavras estrangeiras em propagandas veiculadas no estado. À espera da sanção do governador, o projeto já provocou gritaria no mercado publicitário, que considera a medida um retrocesso e de aplicação inviável.
“As línguas são vivas. As palavras surgem e desaparecem, e quem manda nisso é o povo. É preciso avisar isso a esses ‘parlapatões’, para usar um exemplo de palavra em desuso. Essa lei é ideologia barata aplicada à cultura”, diz o presidente do Clube de Criação do Paraná (CCPR), Marcos Pamplona. “Eu gosto da língua portuguesa e acredito que ela tem de ser valorizada. Mas, tenho medo de gente que quer legislar sobre a nossa voz.”
O Sindicato das Empresas de Publicidade Externa do Paraná (Sepex) está preparando uma ação judicial para questionar a constitucionalidade do projeto de lei aprovado no Paraná. A entidade reclama que não há detalhes sobre a fiscalização e adianta que será muito difícil delimitar quais palavras estão ou não incorporadas ao cotidiano dos brasileiros.
O advogado Eduardo Munhoz da Cunha, especialista em direito empresarial, também considera a medida inconstitucional. Além de ir contra o princípio da liberdade de expressão, ele diz que só cabe à União legislar sobre a propaganda comercial. Cunha lembra ainda que o consumidor já está protegido de abusos pelo Código de Defesa do Consumidor, que determina que as informações sobre os produtos devem ser apresentadas sempre em português, de forma clara e correta.
Segundo o governo do estado, a base para a lei está na Constituição Federal, que coloca a soberania com um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e estabelece que a língua oficial é o português.
Aprovação
A proposta foi aprovada com pareceres favoráveis das comissões de Constituição de Justiça (CCJ) e de Educação, Cultura, Esportes, Ciência e Tecnologia. O deputado Luiz Claudio Romanelli (PMDB), líder do governo, diz que a fiscalização deve ser feita pelo Procon, mas reconhece que será difícil estabelecer a lista de palavras ainda não incorporadas ao vocabulário da população.
Outras medidas
Uma lei semelhante chegou a ser aprovada pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes. No entanto, a Federação do Comércio do estado conseguiu uma liminar na Justiça suspendendo temporariamente a lei – considerada inconstitucional por restringir a liberdade de manifestação de pensamento. No âmbito nacional, tramita na Câmara dos Deputados um projeto semelhante, apresentado em 2004 pelo deputado Carlos Nader (PFL/RJ). (CS)
Pamplona reconhece que há abusos em alguns casos, mas não vê na lei uma forma de evitá-los. Para o publicitário, é preciso promover a discussão entre as pessoas para que se valorize mais a cultura local. “Quanto mais frágil é uma cultura, mais ela assimila comportamentos externos. Os franceses evitam os estrangeirismos porque isso está na cabeça das pessoas, não em uma lei.”
O presidente do Sindicato das Agências de Propaganda do Paraná (Sinapro), Kal Gelbecke, reforça o coro: diz que a lei é ruim e de aplicação extremamente complicada, principalmente se não tiver uma regulamentação muito bem feita. Gelbecke aponta ainda para o custo financeiro de uma medida como essa. “O governo faz leis para estimular o pequeno empresário e, ao mesmo tempo, cria um projeto como esse que só vai criar despesas. Os grandes anunciantes terão que fazer adaptações de anúncios para o estado”, diz. “Mas os pequenos também serão prejudicados. O governo vai multar um dono de carrinho de cachorro-quente que tem ‘hot dog’ na sua marca?”
Para o presidente do Sinapro, a medida pode provocar a saída de anunciantes do mercado paranaense por não estarem dispostos a arcar com os custos de traduções ou adaptações específicas para veiculação regional. O diretor de criação da agência Getz, Ricardo Mercer, também vê prejuízos para o mercado local. “Estamos lutando para aumentar nossa competitividade, buscando clientes de fora do estado, e isso se torna um grande empecilho.”
Bom senso
Mercer diz que o uso ou não de palavras estrangeiras é uma questão de bom senso, e que há uma preocupação por parte das agências em usar palavras que sejam compreendidas pelo público. “Do contrário, o maior prejudicado seria o próprio anunciante”, diz Gelbecke, do Sinapro.
Para o vice-presidente de planejamento e atendimento da Master Comunicação, Marcelo Romaniewicz, a medida vai na contramão da tendência mundial já que o inglês, em especial, está presente em qualquer atividade das pessoas. O publicitário questiona ainda o porquê de limitar a lei apenas à publicidade. “Para ser coerente, uma medida como essa deveria valer para tudo: manuais de produtos, sites, jornais, publicações do próprio governo. Se não, soa como demagogia.”
Valorização
Segundo o governo do estado, a medida tem como objetivo o reconhecimento e a valorização da “língua pátria”, além de facilitar a compreensão da população que não domina outros idiomas. De acordo com o projeto, a tradução deve ter o mesmo tamanho da palavra em língua estrangeira. Quem descumprir a lei será multado em R$ 5 mil.
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